segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Manhãs esbranquiçadas de silêncio...




E vinha depois também, insinuada aos poucos no meio da manhã, uma vontade de que alguém telefonasse, tocasse a campanhia, chamasse lá embaixo, a princípio vaga, mas cada vez mais nítida, até chegar quase a ferir, feito uma dor, agulha, brasa. Nada acontecia. Aquela como uma vontade de ser feliz, de haver alguma ordem ou estar noutro lugar onde fosse possível sentar ao sol comendo maças, deixava também de ser como estar-à-beira-de-qualquer-coisa-boa. Campanhia e telefones mudos, a manhã a transforma-se em tarde, emergia venenosa a sufocação, vontade de fugir, de não ser quem era nem ter vivido nenhuma as coisas que vivera. Todo passado, essa coisa que chamam de passado, desembocava ali naquele momento, em pleno centro das manhãs esbranquiçadas de silêncio.


(Caio Fernando Abreu)

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